Alabaster Box

Teologia do Abracadabra


O ensino que tomou conta das igrejas brasileiras e que enfatiza a prosperidade como direito do crente surgiu nos Estados Unidos há 70 anos

Na História, a grande dificuldade de todas as religiões tem sido lidar com o problema do sofrimento, da miséria e da morte. Se Deus é bom, por que tantas coisas ruins acontecem no mundo? Cada uma procurou apresentar uma solução do seu próprio modo, mas talvez nenhuma tenha sido tão criativa em responder à questão do que o cristianismo neopentecostal. Em vez de fazer coro com outras correntes que prometiam a libertação do sofrimento no além ou num futuro messiânico, eles passaram a dizer aos menos favorecidos e despossuídos que era direito deles ter saúde, riqueza, felicidade, sucesso e poder aqui e agora. Para tanto, bastava uma palavra – e tanto faz se seria “exigir”, “decretar” ou “reivindicar”. Desde que declarada com fé, ela abriria qualquer porta e daria acesso para que o crente pudesse tomar posse das promessas divinas.

Parece mágica, mas não é. A Teologia da Prosperidade tem suas raízes nos escritos de Essek William Kenyon, um metodista que depois se tornou batista e pentecostal e foi pioneiro na evangelização pelo rádio. Influenciado por alguns pensamentos da Ciência Cristã, ele defendeu nos Estados Unidos da década de 1940 o poder que todos os cristãos têm, é prometido nas Escrituras e adquirido pelo sacrifício de Jesus, de trazer à existência tudo aquilo que declaram em voz alta. Apesar de ensinar a Confissão Positiva, Kenyon nunca falou sobre prosperidade. Coube ao televangelista Oral Roberts criar a noção de “vida abundante” e dar início à pregação do Evangelho da Prosperidade. Em 1954, quando ele ingressou na televisão, viu-se com a necessidade de conseguir mais ofertas e passou a prometer retorno financeiro sete vezes maior para aqueles que contribuíssem para seu programa.

A ideia de que não é a fé que remove montanhas, mas sim a palavra de ordem dada com fé ganhou popularidade nos anos 50 e 60 graças a pregadores e evangelistas como Kenneth Hagin. Nos anos 70, mesma época em que chegou ao Brasil, o pensamento foi radicalizado e ganhou status de movimento. Por aqui, houve até quem contasse o número de vezes que a palavra “oferta” aparece na Bíblia: mais de 640. “Os teólogos da prosperidade advertem que aquilo que é confessado pode não se tornar realidade imediatamente. No mundo espiritual, já foi concedida e o crente deve agradecer e agir como se já tivesse recebido a benção. Como Deus não falha, a culpa é sempre da fé capenga”, explica o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do Sul e autor do livro Neopentecostais (Edições Loyola).

Para Paulo Romeiro, da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor do livro Supercrentes (Mundo Cristão), é hora da Teologia da Prosperidade ser analisada à luz da Bíblia. “Não se pode negar que tal movimento tenha várias coisas a ensinar, tais como orar com fé, crer nas promessas de Deus e evitar atitudes pessimistas. Porém, há distorções como a de que o ser humano possui a natureza e capacidade divina, que consultar médicos ou tomar remédios não são coisas para o cristão, que Jesus foi milionário e que a soberania de Deus é limitada pela vontade humana. Essas crenças, sem a compreensão da vontade de Deus, têm deixado um rastro de sofrimento e desapontamento.”

Marcos Stefano
Jornalista da revista Eclésia

0 comentários:

Postar um comentário